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Por Ronaldo Ramos*

A segurança, a comunicação, o transporte, a saúde e o trabalho – multidisciplinar e multicultural – em equipe dependem de algo em discussão constante pela sociedade: a falta de privacidade. É um paradoxo dos tempos atuais. Deixamos nossa residência e somos monitorados por câmeras públicas e privadas. Estamos registrados no mundo digital detalhadamente. E a biometria surgiu como o mais recente passo da tecnologia para autenticar nossa identidade.

Podemos questionar até que ponto o direito à privacidade individual interfere na garantia de proteção dos cidadãos e sua evolução, por conta de uma vigilância exercida por agentes muitas vezes desconhecidos. A sociedade sempre em observação foi preconizada pelo escritor inglês George Orwell no livro “1984”, publicado em 1949, que inspirou o título do reality show Big Brother. Apesar da abordagem futurista do autor considerar o controle da população por parte de um Estado totalitário, que reescreve a própria história e distorce fatos a seu favor – em que a individualidade e a liberdade de expressão são impossíveis –, vemos a mesma falta de privacidade ser fundamental e, por vezes, até benéfica em muitos aspectos nas sociedades democráticas nos dias de hoje.

Muitas vezes, são as imagens de câmeras de segurança que possibilitam a resolução de crimes e a punição de seus responsáveis. Hoje, temos uma “vigilância aprimorada” –descrita por Foucault na obra Vigiar e Punir. A noção de crime e seus correlatos provêm da organização das sociedades em modos diversos e crescentes ao longo do tempo, com o desenvolvimento de sua complexidade.

Londres, por exemplo, utiliza câmeras de circuito fechado de TV (CFTV) há anos para monitorar as ruas da cidade, o que permite aos policiais andarem pelas ruas sem portar armas de fogo. Nas 52 estações de metrô de São Paulo, a maior rede metroviária do Brasil, são quase cerca de 900 filmadoras instaladas para vigiar os passos dos usuários. No Rio de Janeiro, estima-se que aproximadamente 700 mil equipamentos gravem o cotidiano dos cariocas nas ruas, prédios, condomínios, bancos, supermercados etc. O que nos difere dos confinados do Big Brother é que, no Brasil, ainda não existe um sistema que agrupe todas essas imagens e informações.

Nem as crianças estão livres dos olhos de terceiros. Se antes uma babá eletrônica rudimentar resolvia o problema dos pais, hoje mãe tranquila é aquela que pode vigiar seus filhos quando quiser. Muitas escolas possuem câmeras para o acompanhamento dos pais pela Web. E filmadora em casa flagra absurdos, como uma babá que espanca o bebê, ou permitem interação remota com filhos para reduzir o estresse e a distância.

Sistemas de monitoramento existiam antes mesmo dos serviços de localização via satélite. Os celulares com tecnologia digital há muito podem ser rastreados pelas empresas de telefonia. É possível traçar um mapa do trajeto do usuário. O mesmo acontece com os cartões de crédito. Informações como renda, endereço e preferências pessoais do cliente, como os hábitos de compra por cartão de crédito passam a fazer parte do Big Data. Mesmo sem a garantia de que seus dados estão a salvo de hackers, as pessoas parecem dispostas a perder sua privacidade em nome de diversos benefícios, como segurança, facilidade de locomoção, acesso a entretenimento e saúde.

Comunicação

Indiscutivelmente, geramos quintilhões de dados por dia e estamos sob constante vigilância. O Facebook e o Google armazenam informações sobre seus usuários. Big Data, social media e algoritmos preditivos abrem um novo campo de discussão sobre privacidade. Uma empresa pode usar a imensidão de dados que dispõe sobre seus clientes para uma promoção que melhora significativamente a experiência dos consumidores, ou para prever tendências ainda não detectadas por outros métodos tradicionais de pesquisa de comportamento e intenção de consumo.

Na prática, qualquer um pode bisbilhotar a vida alheia. No entanto, os profissionais e as corporações dependem do tráfego de informações individuais e conjuntas para a divulgação e propagação de suas ações. Hoje, a principal mídia, sem dúvida, é a Internet. E estar fora de redes sociais como Facebook e LinkedIn significa abrir mão de inúmeras oportunidades de negócios e trabalho.

Mesmo assim, o Facebook perdeu mais de três milhões de usuários adolescentes – de 13 a 17 anos – entre 2011 e 2013, segundo pesquisa divulgada por uma empresa de consultoria em estratégia de tecnologia nos Estados Unidos, principalmente devido à vigilância por parte de familiares. Outro estudo feito pela University College of London (UCL) no final de 2013 mostrou que, na Europa, os jovens de 16 a 18 anos estavam migrando para outros aplicativos de troca de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, por se sentirem menos expostos e mais direcionados.

As vantagens de ferramentas como o Facebook são inúmeras, e a facilidade de uso é muito grande. O que seus usuários precisam é estar atentos às características, para tirar o devido proveito da exposição e ter cuidado com a parametrização de uma privacidade adequada. Além disso, diante da perda de contas, é provável que o Facebook melhore ainda mais a abordagem para a segurança da rede.

Trabalho em equipe

Equipes virtuais precisam se organizar para promover produtividade. Quando uma pessoa é inserida no mundo corporativo, recebe diversos acessos para os sistemas e recursos necessários. Se por um lado o indivíduo ganha mobilidade, flexibilidade de horários de trabalho e possibilidade de trabalhar enquanto compartilha da companhia de familiares ou amigos, economizando energia no transporte e gastos com infraestrutura nos ambientes corporativos, esse fator dificulta a vida de usuários, que precisam administrar cada vez mais senhas corporativas, além das suas próprias, que vão desde o desbloqueio de smartphones até contas bancárias. Por isso, o mercado tecnológico vem mudando conceitos.

Um dos novos métodos adotados é a tecnologia de biometria, que permite acesso às informações por meio de sua digital, reconhecimento facial ou de íris – até mesmo para pagamentos. Isso gera uma sensação de segurança e, ao mesmo tempo, elimina a necessidade de memorização de senhas complexas. De qualquer forma, abrimos conscientemente mão da privacidade em troca da conquista de novas possibilidades e conforto.

Organização

A cidade de Boston fechou parceria com o app Waze, do Google, para coletar dados inseridos pelos usuários e utilizá-los no planejamento do tráfego para diminuir os engarrafamentos. São ações pontuais, como modificar o tempo de mudança dos sinais de trânsito em horários de muito movimento.

Os dados fornecidos pelo aplicativo já foram usados em um projeto por meio do qual os usuários podiam sinalizar onde havia carros parados em fila dupla, e o departamento de trânsito enviava agentes para advertir sobre a infração. O impacto na fluidez do trânsito foi enorme, o que deve dar origem a outras iniciativas semelhantes.

A grande tendência em certificação de identidades é o uso de tecnologias para a leitura biométrica da íris e da retina, duas informações que são únicas em cada ser humano e não podem ser fraudadas. As máquinas que fazem esse tipo de reconhecimento conseguem reproduzir imagens dos olhos em altíssima resolução e comparam as informações com um amplo banco de dados. A autenticação da íris é a usada em maior escala no mundo e tem sido apontada como a mais eficiente leitura biométrica.

Fortalecer as relações humanas é fundamental para tornar as equipes virtuais mais produtivas nas empresas, os cidadãos mais participativos na sociedade e os indivíduos conscientes ao administrar sua vida pessoal. Esse é o desafio da era tecnológica, em que a opinião tem espaço, mas a privacidade tornou-se um conceito dúbio, que também precisa ser constantemente vigiado. Em outras palavras, o poder agora se concentra fundamentalmente na disposição para a transparência – para o compartilhamento não só de informação, mas também das perguntas e inquietudes que nos movem para o entendimento da profunda conexão que existe entre seres humanos e o planeta em que vivemos. Um futuro cheio de surpresas e grandes transformações!

*Fundador do CEOlab e professor associado da FDC
ronaldo.ramos@ceolab.net