POR Ricardo Fontes Santana

Alguns anos atrás, participei de uma reunião em que um executivo sênior de uma das maiores empresas do mundo anunciou como grande novidade a disponibilização de um conjunto de documentos visando a completa padronização das atividades e dos processos da empresa. Durante a apresentação, alguns profissionais de venda demonstraram certa inquietação com a perceptível perda de poder com novos rituais internos de aprovação, imediatamente percebidos como burocráticos.

Surgiu então uma pergunta capciosa:

“Será que os novos padrões iriam engessar a criatividade e a capacidade de adaptação a novas realidades?”

O executivo demonstrou clara surpresa e ressaltou que as expectativas da empresa em relação aos seus clientes, às margens e a todo e qualquer aspecto negocial estavam claramente definidas nos novos documentos de padronização. Bastava segui-los! Pedi então a palavra e argumentei que a inovação e a busca contínua pela melhoria eram intrínsecas aos seres humanos, e que elas iriam habilitar o aperfeiçoamento dos padrões de trabalho na medida em que os mesmos fossem executados.

Meus argumentos não foram correspondidos. O executivo destacou que os processos foram criados com base nas melhores práticas adotadas no mercado e que refletiam claramente o que se esperava de cada indivíduo da companhia. Ressaltou ainda não encorajar a distração com a busca por melhorias, tendo em vista que o objetivo principal era aumentar a produtividade através de performance padronizada e em escala.

Confesso que saí frustrado da reunião. Como profissional de finanças, reconhecia a importância da definição e da documentação de processos para uma empresa tão diversa, mas também admitia que era necessário proporcionar espaço para os profissionais respirarem, gerando assim oxigênio na forma de novas ideias para a organização. E, no caso específico da empresa, eu tendia a concordar com meus amigos comerciais reconhecendo que os padrões passavam um pouco dos limites por tentarem definir uma miríade de situações diversas focadas no passo a passo operacional de execução das atividades.

Impossível também sair de uma reunião como essa sem refletir sobre os conceitos de Ford sumarizados no seu princípio da produtividade baseado na padronização de movimentos e equipamentos nas linhas de montagem. E obviamente do seu contemporâneo Taylor, que, através da publicação de “Princípios de Administração Científica”, defendia a especialização das funções do trabalho para operários bem capacitados e obedientes aos métodos estabelecidos pelos seus patrões. E era ainda impossível não refletir também sobre os críticos do caráter “dominante” das teorias de ambos, tendo como base a ideia de que minimizar o escopo do trabalho dos empregados servia para diminuir o conhecimento e aumentar a dependência desses em relação aos seus empregadores. Senti-me então envolto com as mesmas dúvidas e os mesmos tormentos tão debatidos durante a chamada “Segunda Revolução Industrial”.

Como bom economista, opto por uma reflexão longe dos extremos. Uma empresa sem processos, sistemas, padrões e alçadas tende a ser menos eficiente e a estar mais exposta a riscos não quantificados e previstos. Por outro lado, uma empresa burocrática, fragmentada e engessada tende a atrair profissionais menos capazes e mais preocupados em seguir fórmulas preestabelecidas de sucesso com total aversão ao risco.

Equilíbrio e bom senso são fundamentais nas definições de como e o que padronizar, tendo como princípio básico que subjetividade e objetividade se complementam. Mesmo um processo sólido e eficaz, próximo da perfeição, pode sim ser desafiado por novos métodos de trabalho. Por outro lado, decisões subjetivas, como contratação de funcionários e definição de estratégias de longo prazo, tornam-se mais eficientes quando facilitadas pela definição de indicadores objetivos de sucesso.

É interessante notar também que aspectos culturais e as diferentes características de negócio afetam diretamente o apetite por controle nas organizações. Como exemplo, empresas intensivas em capital dependem do monitoramento dos seus investimentos e da eficiência dos seus projetos para garantir a rentabilidade aos seus acionistas, portanto, tendem a ser mais controladoras e focadas em produtividade e economias de escala. Por outro lado, empresas que dependem mais do caráter empreendedor dos seus funcionários, principalmente no varejo e na prestação de serviços, geralmente proporcionam maior liberdade aos seus colaboradores para que esses impulsionem seus negócios.

Liberdade e padronização dependem do entendimento da identidade própria que alavanca os objetivos de cada empresa ou até de cada departamento. Só assim é possível fugir de armadilhas, sejam elas originadas pelo foco maior nos detalhes do que nos propósitos, sejam eles originadas pela desconexão e até pela centralização excessiva, que são derivadas da ausência generalizada de processos.

Padrões eficientes tratam de definir os requisitos mínimos sobre princípios, objetivos, alçadas e delegação de responsabilidades. Os melhores profissionais são aqueles que sabem extrair o que há de melhor em cada tipo de abordagem, preservando um senso crítico construtivo para desafiar o excesso ou a falta de padrões com base no bom senso. Já as empresas diferenciadas são aquelas que percebem e aceitam o valor adicionado pela diversidade de ideias e questionamentos, afinal de contas, o melhor método de trabalho sempre será o próximo.

*Ricardo Fontes Santana é Head de Finanças da South32.