Sorte

Por Ronaldo Ramos*

Em recente artigo publicado por Jonathan Derbyshire no Financial Times, intitulado “The luck factor: fortune’s role in our lives”, aprendi que a questão da relação entre diferentes tipos de sorte, talento e recompensa tem preocupado filósofos e cientistas sociais por décadas.

Ele comenta que a questão tem sido central em 3 novos livros, escritos pelo economista comportamental Robert Frank, pelo sociólogo Mike Savage e pelo jornalista Lynsey Hanley.

Um dos argumentos presentes no livro do primeiro autor discute se a ideia de meritocracia e a premissa de que o sucesso das pessoas é apenas alcançado por conta de seus próprios esforços ignora o fato de que o sucesso e o fracasso são altamente dependentes de fatores fora de controle do indivíduo.

Eu acrescentaria que a ideia de sucesso ou fracasso pode ser relativizada se vista por diferentes ângulos, bem como a própria noção de preço a ser pago pelo sucesso, que abre todo um domínio de discussões.

Segundo o autor, é difícil pensar claramente sobre sorte e sucesso, já que a dificuldade principal vem em parte do fato de que todos compartilhamos algum tipo de bem enraizada intuição sobre conceitos do tipo talento, merecimento e direito, que competem com a noção sobre o papel que a sorte tem nas nossas vidas.

De certa forma, a maioria de nós se sente privilegiada por ter habilidades que nada fizemos por merecer. Ter nascido com certos dons parece tão arbitrário quanto ter nascido de olhos azuis ou com nariz bonito.

Sobre comportamentos derivados destes conceitos, diz-se que as pessoas bem-sucedidas tendem a subestimar o papel da sorte em suas vidas. E que este modo de pensar tem consequências políticas pois faz com que estas pessoas sejam menos generosas na hora de apoiar investimentos (financiados com impostos) necessários para manter um bom ambiente social.

Por isso, questionar a meritocracia na era em que vivemos pode ser fundamental para que possamos considerar nosso papel no Planeta, a solidariedade, o respeito àqueles aparentemente menos providos de qualidades hoje admiradas e até a própria função social daqueles que concentram a renda de maneira desigual.

A função da empresa e do empreendedor na sociedade e no ecossistema deve e precisa ser revista rapidamente, sob pena de transformarmos os ricos em buracos-negros ao estilo da sombria analogia astrofísica para uma descrição das mais pessimistas previsões de futuro para a humanidade.

Afinal, se a renda continuar a se concentrar como estamos observando, quem vai continuar nutrindo sonhos de consumo e manter a máquina produtiva atual em constante demanda?

Ronaldo Ramos
*Fundador do CEOlab e professor associado da FDC
ronaldo.ramos@ceolab.net