Por Ronaldo Ramos*
Em seu livro intitulado Homo Deus, Yuval Noah Harari tenta entender quais foram os desafios que a humanidade enfrentou até agora e imaginar a partir do presente, quais serão os desafios no futuro.
Uma das funções de um Conselho de Administração atuante em minha opinião, é a proteção aqui e agora no presente, do futuro da empresa de seu próprio passado. A hipótese implícita que uso é a de que em nossa zona de conforto tendemos a repetir as ações que nos trouxeram ao sucesso prestando pouca atenção se elas ainda serão eficazes no futuro.
Ainda segundo Harari, nossos grandes obstáculos e dores até há pouco foram a guerra, a fome e as pestes. Não vou entrar aqui em questões ideológicas. Creio não haver dúvida de que esses problemas já tenham atualmente suas soluções bem conhecidas e relativamente sob controle, bem como acessíveis em todos os cantos do planeta. Não me concentrarei aqui na questão de estarem ou não disponiveis a todos os individuos, embora a considere de extrema relevância, apenas por achar que nos afastaríamos do tema central deste painel.
Harari imagina para o futuro um mundo onde as questões fundamentais, ou obstáculos, serão a imortalidade, a felicidade e a divindade. Eu em particular acredito que a imortalidade, ou a morte da morte celular, esteja mais próxima do que podemos imaginar, e que a felicidade, de certa forma, será muito bem simulada por constantes episódios de alegria, um sentimento muito semelhante e mais fácil de comprar.
E claro, rapidamente nos transformaremos em seres híbridos, biônicos, com peças repostas quando necessário, previstas ou não pela análise do nosso genoma. Poderemos fazer uso de um tecido de pele cultivada e impressa em 3-D ou simplesmente de órgãos produzidos a partir de engenharia genética ou um nano processo qualquer.
Conviveremos também com a inteligência artificial, tanto a particular quanto a geral, a robótica, o barateamento da energia, os processadores em redes neurais e a computação cognitiva que facilitará nossos diagnósticos e tarefas analíticas.
Em sua mais recente publicação sobre as megatendências em 2017, a PwC lista a urbanização acelerada, o deslocamento do poder economico global, as mudanças demográficas e sociais, as mudanças climáticas e a escassez de recursos a elas associada, e os avanços tecnológicos como as principais áreas de atenção.
Um cardápio e tanto para ser digerido pelos executivos de uma organização e por seus conselheiros, em sua maioria formados em escolas tradicionais, por métodos de ensino onde o conhecimento se apresenta quase sempre compartimentado e vindos de uma sociedade onde a especialização e a profundidade de conhecimento eram fatores críticos de sucesso.
Até pouco tempo atrás, nossa expectativa de vida produtiva no Brasil nos levava a acreditar que após a aposentadoria teríamos uma década com boa qualidade de vida e que depois disso estaríamos próximos do fim. Seria possível sobreviver sem grandes esforços de adaptação às poucas mudanças que o mundo nos propunha.
Era possível viver uma vida inteira com um único emprego, ou ainda com uma única profissão. Sabemos hoje que os presentes nesta sala muito provavelmente viverão até os 100 anos com relativa qualidade de vida, e em condições de continuar produtivos até os 80 anos de idade ou mais. Não necessariamente com a mesma profissão, mas ainda desempenhando atividades ou profissões relativamente conhecidas.
Nossos filhos e netos no entanto, terão um mundo diferente onde talvez não seja necessário aprender a dirigir ou aprender línguas, mas certamente terão de se preparar para um mercado de trabalho que exigirá constantes mudanças de profissão a cada cinco ou dez anos. Sim, não mais mudanças de emprego, mas de profissão! E a maioria ainda desconhecidas!
As angústias a serem vividas por conta do crescente grau de incertezas, das múltiplas opções de escolha, das constantes mudanças e também dos muitos estímulos para a procura da felicidade, da satisfação imediata de desejos, poderão trazer como consequência o que já se observa no mundo atual, incluindo o ambiente de trabalho das grandes corporações. Um crescente número de suicídios, de abusos de substâncias químicas que reproduzem sensações de felicidade, que aumentam nosso poder de concentração ou permitam que precisemos de menos horas de sono farão parte do nosso cotidiano.
É provável que venhamos a viver em um mundo onde os distúrbios mentais atingirão uma parte significativa da população, os sentimentos de inadequação e de incerteza sejam frequentes, e onde haverá maior necessidade de buscarmos equilíbrio emocional, intelectual, físico e mental e sobretudo aprendermos a conviver e abraçar a diversidade em todas as suas manifestações.
Em minha experiência como executivo de empresas multinacionais, como conselheiro e como mentor de CEOs, tenho observado que em geral a nossa maior e mais comum qualidade é a formação técnica e a capacidade de resolver problemas de “dentro para fora”, ou seja, atuar na resolução de problemas ”complicados”.
Eu entendo o problema complicado como aquele onde uma solução científica clássica, de identificar variáveis independentes, modelar soluções de subsistemas e depois combinar as subsoluções para compor a resposta à questão maior funciona bem, e nos leva em geral a relativo controle sobre as atividades da empresa, de seus mercados e de sua geração de valor.
Nos Conselhos em geral, encontramos profissionais capacitados, mas essencialmente ainda presos a esta crença. O paradigma de que uma atuação individual, científica clássica, cartesiana, próxima à de sua atuação como executivo especialista ainda produz resultados satisfatórios. Estes profissionais não necessariamente têm sua atenção voltada para a mudança cultural, para o pensamento desafiador, transformador, e para o questionamento de verdades existentes.
Poucos são os conselheiros que procuram transitar pela capacidade de atuar em times, de construir propostas coletivas, de olhar para o auto-desenvolvimento como fator-chave para a geração de valor para a empresa e seus stakeholders, de criar um ambiente de mútuo aprendizado, capacitando-a a criar a plataforma cultural que será a referência para navegar por mares futuros, incertos e mutáveis.
A habilidade que ainda vejo escassa é a de tratar problemas “complexos” onde as correlações entre as variáveis são muito mais sutis e difíceis de controlar. Quando interferimos em uma rede de stakeholders por exemplo, muitos do resultados são imprevisíveis, e a nossa capacidade de atuar em constante movimento e desenvolver crescente compreensão de outros pontos de vista e aspirações se torna fundamental.
Investir em inovação na formação e composição de Conselhos de Administração me parece ser o primeiro e importante passo a ser dado pelos acionistas no sentido de criar a capacidade da empresa de lidar com os novos desafios.
Recrutar conselheiros com comprovada inteligência emocional e adaptativa, voltados para cultivar a diversidade e a habilidade transformadora da cultura da empresa, conscientes de que não podem cometer ingerências ou acotovelar-se com a diretoria, e que tenham apetite insaciável por buscar novidades em outros campos e estabelecer sinapses com outras áreas do conhecimento humano, me parece ser o desafio central.
Neste sentido, a mentoria de CEOs, de Conselheiros e de Diretores tem se mostrado eficaz e aceleradora de aprendizado geral, no sentido de horizontalizar as percepções e aumentar o repertório de comportamentos e estratégias de transformação.
Uma vez resolvida e equacionada esta questão…a da composição e da efetividade do Conselho e de sua dinâmica social e organizacional de funcionamento, podemos tratar de pautar as discussões sobre megatendências e novas tecnologias, criando formalmente uma agenda temática que inclua um mapeamento de riscos, além do tradicionalmente feito, que sistematicamente procure identificar oportunidades de entrada de novos competidores por aplicação de conceitos da teoria de ruptura e por estímulo interno à inovação pela implantação de processos de construção e ideação específicos.
Importante também, para o Conselho, identificar se as inovações identificadas e propostas podem sofrer risco de canibalização interna, por ser a cultura da empresa extremamente dominante, e portanto avaliar decisões de spin offs ou de criação de negócios em separado que permitam a incubação adequada.
A partir do mapeamento de riscos de ruptura e de ameaças e oportunidades à competitividade, podemos então incluir na estratégia da empresa a capacitação para a busca interna ou externa de fatores críticos de sucesso e estabelecer métricas de progresso na inovação.
Hoje em dia, acredito que por conta da falta de mentoria adequada aos membros do Conselho, CEOs e diretores, as empresas em geral ainda gastem muito tempo dos Conselheiros discutindo se estão fazendo as coisas corretamente, muitas vezes olhando apenas para o passado, para resultados obtidos e assuntos similares.
Se a performance da empresa for satisfatória, obviamente, os olhares do Conselho deverão se voltar a verificar se a empresa está alocando recursos materiais, gerenciando seus talentos, e investindo nos assuntos necessários para ter sucesso continuado no futuro, chegando em muitos casos até a planejar a própria obsolescência do modelo de negócio atual.
O Conselho deve se especializar em fazer as perguntas corretas, assim como os mentores o fazem. Perguntas que inspirem, provoquem a reflexão, e sobretudo, induzam à cultura de inovação:
- Em qual mercado estamos de fato operando? O mercado está se modificando? Ainda conhecemos nossos clientes? Fornecedores? Stakeholders? Agentes reguladores?
- Quem são os nossos concorrentes hoje? E amanhã, quem serão?
- Como a gestão está de fato estimulando inovação? Removendo barreiras?
- Como o Conselho pode estabelecer expectativas em relação ao futuro? Perfis de risco, agilidade do mercado?
- Qual é o apetite da empresa para o crescimento inorgânico, considerando não apenas concorrentes, ou complementares, mas startups?
Em resumo, para tratar as questões relativas a megatendências e novas tecnologias e incorporar riscos, oportunidades e estratégias de inovação, o Conselho precisa se equipar de novas habilidades que incluem não somente inteligência emocional para operar em um ambiente psico social colaborativo e contributivo, como também recrutar e desenvolver conselheiros que estejam dispostos a abraçar diversidade no sentido amplo e horizontalidade de repertórios de sinapses e comportamentos que permitam que eles atuem não mais como executivos operadores e sim como verdadeiros mentores capazes de trazer à tona as perguntas relevantes para o desenho das rotas de transformação de modelos de negócio e de geração de valor. Inspirar o CEO e seus diretores também faz parte da responsabilidade do Conselho.
Ronaldo Ramos
*Fundador do CEOlab e professor associado da FDC
ronaldo.ramos@ceolab.net