Por Kika Ricciardi*

Em março deste ano, tive a oportunidade de retornar à Austin (Texas), para mais uma edição do Festival SXSW. Dois destaques deste evento, Esther Perel e Douglas Rushkoff, trouxeram importantes aspectos sobre inteligência e saúde relacional. Ressaltaram como a falta de conexões humanas tem provocado a deterioração de ambos à medida que as habilidades socioemocionais deixam de ser demandadas e praticadas, sobretudo pela hiperconectividade tecnológica.

A permanência online nos priva e distancia da convivência humana. Com isso, muitas das nossas habilidades socioemocionais deixam de ser testadas, experimentadas e desenvolvidas. Temos menos oportunidades de praticar habilidades interpessoais, como comunicação, empatia, acolhimento e resolução de conflitos, entre outras.

Além disso, os confortos provocados pela tecnologia podem nos deixar “despreparados para as incertezas da vida cotidiana, ao passo que experimentar um descontentamento, por menor que seja, já expõe nossa vulnerabilidade”, segundo Perel.

Resgate de competências individuais e sociais

Também denominadas como soft skills, as habilidades socioemocionais são imprescindíveis para um ambiente de trabalho colaborativo, saudável e receptivo a perspectivas diferentes, à experimentação do novo, ou seja, um ambiente humanizado e fértil à inovação.

Neste âmbito, estamos falando que a inteligência emocional é composta por dois conjuntos complementares de habilidades. O primeiro deles refere-se a habilidades emocionais no sentido absoluto, do ser com ele próprio. O segundo, no sentido relativo, diz respeito a habilidades que emergem na relação com o outro.

Quando um profissional realiza um atendimento em multimentoria, que é o diferencial do CEOlab, o mentor (leia-se sempre mentor/mentora) começa a trabalhar o indivíduo em sua relação consigo mesmo, antes de partir para a esfera seguinte do indivíduo na empresa e, por fim, na sociedade. Então, a mentoria pode exercer um papel muito importante para resgatar o desenvolvimento das competências individuais e relacionais.

Neste contexto mais abrangente da inteligência emocional, que contempla human skills, vemos vários artigos que atribuem como power skills, da primeira categoria: curiosidade, coragem, protagonismo, autonomia, adaptabilidade, pensamento crítico e aprendizagem contínua. Como relationship skills, da segunda categoria: colaboração, confiança, comunicação, empatia, engajamento e civilidade.

Se uma pessoa fica só no convívio com a máquina, como vai exercitar toda essa amplitude de experiências humanas tão essenciais para um bom desempenho nas relações interpessoais no trabalho e, por que não, na sociedade? Além disso, fortalecer os vínculos humanos nas corporações ajuda a criar um ambiente de acolhimento e confiança.

Como nos provocou Rushkoff: “precisamos mudar da corrida viciante da dopamina alimentada pelas notificações e ‘likes’ para a experiência da oxitocina, de nos conectarmos com o outro”. A oxitocina é um hormônio relacionado a sentir empatia e acolhimento, mobilizado por conexões humanas.

Ambiente de troca e de confiança

Desde a pandemia, o que tenho sentido é que a mentoria se tornou um ambiente onde se busca, necessariamente, segurança, confiança e troca. Para além do intercâmbio de conhecimento cognitivo apenas, inclui momentos de confidencialidade, por exemplo.

Indo além da sede e da curiosidade por aprender, as pessoas estão procurando por acolhimento, pertencimento e pela identificação com alguém que passou por determinada dor ou necessidade. Estão buscando pelo espaço seguro para compartilhar experiências e revelar anseios e inseguranças em tempos tão desafiadores.

No caso da multimentoria, em especial, essa complementaridade e pluralidade de experiências de múltiplos mentores se torna um processo muito mais valioso. Em um mundo cada vez mais polarizado, a resolução de conflitos pacífica é um dos maiores desafios, por exemplo. Neste sentido, quanto mais experiências você ouve e conhece, mais amplia o repertório de situações por essa correlação de vivência. Desta forma, ao identificar uma situação já vivenciada e comentada por outro profissional, o mentorado acessa a situação e consegue aplicar os aprendizados e os insights compartilhados pelo mentor.

Continuo otimista quanto às inúmeras tecnologias hoje existentes, entre elas os distintos tipos de inteligência artificial (IA), terem as finalidades de seu uso pró-humanidade, liberando nosso tempo para a convivência humana; para nos conectarmos com as pessoas. Somente através de conexões e vínculos reais é que transformaremos a sociedade.

*Kika Ricciardi é conselheira certificada de Administração e de Inovação e sócia-investidora de scale-ups. É mentora, associada ao CEOlab, e investidora-anjo. Foi contemplada entre as “100 Mulheres da Inovação”, da Época Negócios, e recebeu a premiação na categoria Conselheira Social do #SomeControlAwards 2023, na 3ª Edição do pioneiro prêmio da alta gestão e de conselhos empresariais brasileiros, idealizado pela Comunidade Gonew.