Ronaldo Ramos*
Um líder pode demonstrar vulnerabilidade? Em outros tempos, quem ocupava a liderança era visto como herói, uma pessoa forte, que sabia todas as respostas, capaz de tomar qualquer decisão. Até as mais difíceis. Um fardo muito pesado para qualquer indivíduo. Atualmente, essa visão tem mudado consideravelmente.
No entanto, o líder ainda lida constantemente com a questão da solidão, do isolamento na posição em que ocupa, nas decisões que precisa tomar. Neste sentido, a vulnerabilidade não é uma fraqueza e sim a capacidade de compartilhar dúvidas, incertezas ou aquilo que não está dando certo. A minha pergunta-chave para os mentorados é sempre a mesma: o que está te tirando o sono ultimamente?
A mentoria oferece um ambiente intimista onde o C-Level pode se sentir vulnerável nessa solidão, compartilhar com outro executivo aquilo que não dividiria com mais ninguém. Esta é a grande questão que os mentorados trazem quando me procuram. A de estarem sozinhos diante de um dilema pessoal ou profissional, tais como: assumir ou não a empresa familiar ou a solidão na tomada de decisão nos processos da empresa.
O poder da pergunta
Importante ressaltar que o mentor não traz respostas prontas diante das situações expostas pelos mentorados e sim perguntas, que levam a reflexões que não seriam feitas de outra forma. A pergunta é um portal que se abre em busca de se enxergar melhor determinada situação. Sinaliza como é que alguém deve mudar seu comportamento para observar a natureza do problema.
Recentemente, em conversa com a mentorada Juliana Gonçalves, CEO da Gráfica Gonçalves, ela abordou esse ponto:
“Os mentores não falam o que fazer. Se há essa pergunta, o mentor volta com outra pergunta. A mentoria ajuda a refletir aonde você está e aonde quer chegar. E esse passo a passo foi muito importante e fundamental na minha carreira (na minha vida e na da empresa), me deu mais segurança para achar o caminho. Faz toda a diferença ponderar, refletir, analisar os prós e os contras, e escolher com calma e critério. Quando iniciei a mentoria, estava em um momento da carreira em que precisava tomar uma decisão. Sou de empresa de família, não sabia se ficava ou buscava outros caminhos. Se não tivesse feito mentoria, dificilmente conseguiria sair da angústia sozinha e teria feito opções erradas, mais duras e difíceis”.
Quem nasceu líder?
O fato é que ninguém nasce preparado para se tornar um líder e ter de lidar com uma enormidade de decisões. De repente, você é colocado na cadeira de gestor, diretor, CEO. Porém, para se manter nesta cadeira e continuar priorizando a saúde (mental, sobretudo), é preciso assumir que não sabe de tudo, que não estava preparado para todos os desafios.
Abordei esse ponto em conversa com outro mentorado, Carlos Bertozzi, Managing Director da Hella do Brasil,que nos contou como foi importante para ele reconhecer que essa ajuda era relevante e necessária:
“Primeiro, eu me debati com o desafio de como encontrar o mentor ideal, precisaria de empatia e troca entre dois executivos. No início, tinha dúvidas se ia dar certo e, agora que o tempo passou, a gente olha pra trás e fica evidente a evolução profissional. Para ser mentorado é preciso se despir de todas as formas de orgulho, você faz perguntas de todos os níveis. E o trabalho do mentor sempre foi o de ouvir, fazer perguntas e ponderar. A mentoria abre portas que eu nem sabia que existiam. É uma relação de muita confiança que vai se intensificando. Acredito que a fase inicial da mentoria dure dois anos e isso depende da dinâmica e do momento da empresa. O negócio vai direcionar o momento atual, se é de refletir sobre cultura, governança, estruturação…”.
Confiança, conhecimento e networking
O ambiente de confiança é fundamental para que o trabalho de mentoring alcance os objetivos esperados. E isso vai se construindo aos poucos, a cada encontro, com a convivência e as trocas. Inclusive, a última não acontece somente entre mentor e mentorado.
Em entrevistas, costumo me descrever como um aprendiz, um tanto inquieto e curioso; outro tanto equilibrista e investigador. Gosto de aprender com vivência, leitura, cursos. Gosto de formular minhas próprias perguntas. Gosto de aprender coletivamente. Deve ser por tudo isso que me veio a criação do CEOlab, que, além da multidisciplinaridade de mentores, também promove encontros e um ecossistema em que é possível interagir com outras pessoas. Fazer conexões. Buscar um alívio para essa solidão que tantos sentem e, quando nos encontramos, percebemos que é um lugar comum.
*Ronaldo Ramos é fundador do CEOlab, membro de conselhos de Administração e Consultivo, especialista em gestão de times multidisciplinares e multiculturais. É presidente da CCBC – Câmara de Comércio Brasil-Canadá e conselheiro da Santa Helena.