O mundo mudou

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Por Ricardo Fontes Santana*

O economista Nicholas Perna, no final do século passado, cunhou o termo ‘jobless recoveries’ para descrever as recuperações econômicas sem crescimento no nível de emprego. Um conceito intuitivamente muito simples e facilmente identificado nas grandes crises econômicas dos últimos cem anos: mesmo após a retomada do crescimento da economia, em períodos pós-crises, o nível de emprego usualmente cresceu em um ritmo mais lento do que a expansão econômica. Ou seja, empregos perdidos não foram necessariamente recuperados quando a atividade econômica foi resgatada mesmo que em sua totalidade.

A atual crise do Coronavírus tende a ser um dos melhores laboratórios para o conceito de ‘jobless recoveries’. Nunca antes a produtividade foi tão desafiada em escala simultânea, global e de forma tão abrupta. Geralmente, os desafios das crises levam os indivíduos e empresas a se adaptarem a novas formas de trabalho, aumentando assim sua produtividade. Os procedimentos operacionais, por exemplo, focam nos itens essenciais liberando espaço para redução de pessoal. Por outro lado, os negócios são revistos holisticamente com a consolidação de empresas e a busca de sinergias operacionais. Ainda é muito cedo para falarmos em pós-crise do Coronavírus. A sensação é que ainda há muita retração econômica pela frente. Entretanto, o mundo parece ter mudado e é melhor estar preparado:

  1. O consumidor mudou: as macro políticas de distanciamento social estrangularam o conceito de prazer pelo supérfluo. O foco atual é na sobrevivência, em como garantir as compras do supermercado. Além disso, a colaboração, forçada ou não, com políticas governamentais direcionadas a saúde pública e a preservação dos mais frágeis tende a criar consumidores mais conscientes. É provável que se preste mais atenção daqui em diante em questões de sustentabilidade e bem-estar geral. A própria demanda reprimida, usual alavanca de desenvolvimento econômico pós-crise, pode encontrar um contraponto importante nas sequelas originadas pela necessidade repentina de poupar.
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  2. Os Canais de Vendas nunca mais serão os mesmos: talvez seja cedo para afirmar, mas difícil acreditar que a presença nos pontos físicos de venda será a mesma no pós-crise. Muito provavelmente, os negócios que sobreviverem serão aqueles que encontrarem meios para alcançar seu público através das diversas possibilidades que a tecnologia de hoje nos oferece. Melhor posicionados ainda estarão os fornecedores que aproveitarem a combinação de informações para fidelizar ainda mais seus clientes através do estudo e da influência sobre seus hábitos. Os empresários bem sucedidos provavelmente não se darão mais ao luxo de aguardar pacientemente o cliente entrar pela sua porta ou ligar para sua central de vendas.
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  3. As relações de trabalho mudaram bastante: durante a crise, um contingente muito grande de trabalhadores conseguiu exercer normalmente suas atividades trabalhando de forma remota. A redução de custos com tempos de deslocamentos e despesas gerais de escritório pode pesar relevantemente nas futuras decisões de montagens de equipe e definição de estruturas físicas. Nada supera o contato pessoal como ferramenta de engajamento, todavia a crise obrigou as pessoas a encontrarem outras formas de conexão e integração. Áreas de suporte, principalmente, podem e devem se reinventar com esta nova experiência.
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  4. Alguns negócios precisarão se reinventar: não restará alternativa a muitas empresas: a mudança precisará ser radical. Primeiro, é importante ser útil ao consumidor final. No meio da crise, não faltam exemplos de empresários que adaptaram suas linhas de produção para atender as necessidades do momento. Em outros casos, isso é simplesmente impossível. Restrições de deslocamento impedem, por exemplo, que empresas aéreas utilizem suas aeronaves. Nestes casos, há de se encontrar mecanismos de proteção temporária do fluxo de caixa. É preciso tomar decisões ainda que duras, mas sem perder a conexão com os valores básicos da empresa.
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  5. A crise vai chegar em todos os negócios: por mais que os primeiros sinais indiquem poucos efeitos negativos, ou até efeitos positivos, em negócios bem específicos, os impactos em cascata irão inevitavelmente atingir todas as atividades. Manter integridade em momentos turbulentos implica em respeitar e entender as suas consequências para fornecedores, clientes, funcionários, e comunidade em geral. É preciso encontrar iniciativas para contribuir. Conexão e empatia aplicadas no auge da crise podem resultar em grandes diferenciais no momento da retomada no futuro.

O pós-crise nos reserva uma demanda reprimida, mas também empobrecida e provavelmente bastante traumatizada. Adicionalmente, nossa relação com os espaços físicos e os deslocamentos em geral será profundamente modificada. E, de uma forma ou de outra, todos seremos impactados pelas adversidades e seus desdobramentos. Melhor então estarmos preparados e abertos para uma revisão completa e radical de nossos conceitos. Não nos restará outra alternativa que não seja o foco no que realmente é fundamental, com a consciência do privilégio de vivermos em uma época em que a tecnologia nos dá ferramentas para diminuirmos distâncias antes intransponíveis.

Importante também reconhecermos que já fizemos muito até agora. Conseguimos nos adaptar rapidamente a um cenário de filme de ficção científica, nos apoiando uns nos outros mesmo que com algumas importantes cicatrizes. O foco agora é nos mantermos vivos, inquietos e pensantes. Há longos caminhos a serem trilhados e desbravados adiante!

Ricardo Fontes Santana
*Head of Finance – South32

O que é gestão do conhecimento e por que priorizá-la?

As empresas inovadoras têm uma característica em comum: são boas na gestão do conhecimento. E essa lógica não é de hoje: já faz muitos anos que ela é aplicada por empresas de todas as atividades econômicas para alcançar a tão desejada vantagem competitiva sobre a qual escreveu o especialista nesse assunto Michael Porter, conceituado professor da Harvard Business School.

O domínio de todas as etapas da gestão do conhecimento permite a geração e a disseminação do conhecimento dentro da organização, independentemente das mudanças realizadas nos departamentos ou na liderança. Significa dizer que os colaboradores, os líderes e até mesmo o CEO podem ser substituídos, sem que haja qualquer perda do conhecimento adquirido pela empresa. Quer um exemplo de como a gestão do conhecimento faz diferença há décadas?

O caso Matsushita

Em 1985, os engenheiros de produtos da Matsushita Electric Company, empresa japonesa sediada em Osaka, tinham como desafio produzir uma nova máquina de fazer pão. Um eletrodoméstico para que os consumidores pudessem fazer, no conforto de suas casas, seus próprios pães deliciosos e quentinhos. Só que havia um problema tirando o sono desses profissionais: como fazer com que a máquina amassasse corretamente? Isso porque a crosta do pão saía cozida demais, enquanto o miolo insistia em ficar cru.

Os engenheiros fizeram várias tentativas para resolver essa questão, mas não obtiveram sucesso. Finalmente, a engenheira e responsável pelo software da máquina, Ikuko Tanaka, propôs uma solução criativa. Tanaka percebeu que a solução passava por aprender com quem fazia o melhor pão da cidade: o Osaka International Hotel. Passou então a treinar com o padeiro desse hotel para estudar sua técnica de amassar. E o que ela notou? Que o padeiro tinha uma maneira única de esticar a massa. A solução estava ali. Ela tinha de encontrar um jeito de reproduzir no software essa forma de fazer própria do padeiro.

Recorde de vendas

Após um ano de tentativa e erro, trabalhando com os outros engenheiros do projeto, Tanaka encontrou as especificações corretas do produto, o que incluiu a adição de nervuras especiais dentro da máquina, a fim de reproduzir com precisão a técnica de alongamento do padeiro. O resultado disso você deve imaginar: método único de preparar a massa da Matsushita, o que levou o produto ao recorde de vendas já no seu primeiro ano de mercado. Nunca até então um eletrodoméstico havia sido tão vendido no Japão.

A solução encontrada por Tanaka resultou em uma vantagem competitiva para a Matsushita. Como escreveu Porter no livro “Vantagem Competitiva: Criando e Sustentando um Desempenho Superior”, “o instrumento básico para diagnosticar a vantagem competitiva e encontrar maneiras de intensificá-la é a cadeia de valores, que divide uma empresa nas atividades distintas que ela executa no projeto, na produção, no marketing e na distribuição do seu produto.” No caso da empresa japonesa, ela foi capaz de executar uma atividade distinta no projeto, o que levou a uma máquina de pão única no mercado. Essa inovação só foi possível por causa da gestão do conhecimento.

Quais são as características da gestão do conhecimento?

A gestão do conhecimento é um processo formado por diferentes etapas que visam identificar, captar, organizar, disseminar, compartilhar e reutilizar o conhecimento de uma organização, independentemente do seu setor de atuação e de sua atividade econômica. Há duas formas de conhecimento: o explícito e o tácito.

O explícito é formal e sistemático e costuma ser registrado em diversos formatos e em mídias variadas. Pode ser facilmente compartilhado por meio de uma fórmula científica ou de um programa de computador. No exemplo da Matsushita, o explícito está nas especificações do produto para a máquina de panificação. Esse conhecimento só foi possível por causa da realização primeiramente do tácito, que envolve experiências, habilidades e competências humanas. Veja, portanto, que um complementa o outro, sendo ambos necessários.

Tácito exige capacidade de observação

O conhecimento tácito é difícil de ser obtido. E aqui está o maior desafio das organizações. Ainda sobre a história da Matsushita, o tácito está no know-how do padeiro, que, como vimos, tinha sua própria técnica de preparação da massa. Provavelmente, se fosse apenas questionado pela engenheira, ele não saberia explicar como fazer, não saberia traduzir em palavras. Ou seja, para ter acesso ao conhecimento tácito, a capacidade de observação, que foi executada com sabedoria pela engenheira ao acompanhar o trabalho do padeiro, é necessária. 

Popularmente chamado de “conhecimento da vida”, o conhecimento tácito é constituído por modelos mentais, por crenças e por formas de pensar e de fazer as coisas que são próprios de uma pessoa. Sendo assim, fazem parte do indivíduo, que, muitas vezes, tem dificuldade para percebê-los, o que torna complexa a tarefa de fazer com que esses padrões sejam compreendidos por outras pessoas. 

Sua empresa prioriza a gestão do conhecimento? O que ela está fazendo para identificar o conhecimento tácito? Fique à vontade para deixar seus comentários!

 

Sobre o CEOlab
Cada vez mais, a mentoria aparece como uma fonte valiosa de aprendizado para qualquer profissional. No CEOlab, consultores e conselheiros de carreira renomada, que ocuparam cargos de liderança como o de CEO, trabalham o indivíduo com ele mesmo, o indivíduo na organização e a organização na sociedade. São soluções sob medida elaboradas por executivos experientes que compartilham seus métodos de trabalho multiculturais e multidisciplinares nos mais diversos campos de atuação nacionais e internacionais. 

A importância do legado na era da transformação digital

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Por Paulo Henrique Ferro*

É fato que as tecnologias emergentes estão contribuindo e influenciando diretamente as formas de consumo e o comportamento das pessoas.

Os movimentos sociais, as novas tendências, os estilos de vida e as experiências de consumo, ocupam novos espaços e trazem outra roupagem para os hábitos cotidianos. É a era da Quarta Revolução, do compartilhamento e da diversidade.

Os questionamentos sobre a pauta são vários, pois as transformações têm impacto direto no campo do trabalho, no uso dos recursos do planeta, nas formas de comunicação e interação das pessoas, no aprendizado, nas relações governo e organização, nas empresas globais e nos arranjos da economia.

Não podemos negar que a transformação digital tem atuado na solução de diversas causas e nas dores do mundo moderno. Porém, o desafio maior tem sido a falta de preparo do ser humano para lidar com a velocidade da tecnologia. É muito comum ver a disrupção atropelando aspectos morais e éticos, sem refletir sobre as consequências. Em virtude disso, a nossa responsabilidade diante da transformação digital vem aumentando exponencialmente. Isso converge para o assunto que irei explorar ao longo do texto: o legado. Acredito que ele nos traz uma dose de segurança para agir diante dos movimentos disruptivos.

O legado tem a força de enquadrar essas ações na perspectiva de um processo que está além daquilo que enxergamos. Ele é a parte intangível da obra do ser humano. É o complemento da experiência e da vivência; e não do aprendizado. O legado deve ser nossa grande obra, o resumo do que fazemos para o outro e para o mundo.

Desde a revolução industrial, nos ensinaram que a competição é a máquina do crescimento. Do crescimento material e não do crescimento como ser humano, acredito. O desenvolvimento humano supõe a existência e a potencialização da relação construtiva com o outro. Da compreensão das necessidades de cada um.

Assim nasce a colaboração.

Na prática, os desenhos organizacionais são definidos para criar uma empresa dirigida pela competição ou pela cooperação. Enquanto as organizações verticais são mais tendentes a competição, as estruturas horizontais abrem espaço para a colaboração, facilitado a contribuição.

Quando entramos no nível das relações e da intervenção do ser humano na empresa, compreendemos os espectros mais sutis que a circundam. É neste estágio que os sinais do legado se tornam evidentes e que o CEO deve atuar para criar algo novo. Por outro lado, no nível da Identidade da empresa, o legado se mostra por inteiro, por meio dos ritos e dos valores, impactando fortemente a organização.

Explorar a prática da mentoria nessa dimensão enriquece as discussões sobre o papel e a contribuição do executivo para o legado. A organização traz pistas para que ele se posicione no entendimento de sua atuação.

Para tanto, a existência de um legado supõe a aceitação de que você o recebeu e agrega sua contribuição para as próximas gerações. O legado, por sua vez, não deixa de existir. Ele passa por reparos ou uma simples ressignificação, mas ele se perpetua!

Paulo Henrique Ferro
*Mentor, Coach, Mediador Organizacional e Consultor em DO no CEOlab.
paulo.ferro@ceolab.net